16 janeiro 2006

Que Justiça?

Há dias, em entrevista à SIC Notícias, o empresário Patrick Monteiro de Barros quando inquirido sobre os principais obstáculos à competitividade do país respondeu sem hesitar: a Justiça. E logo desfiou diversos exemplos de ineficiência.

Quanto à eficiência o diagnóstico está feito e mais do que feito. O tempo e o modo de funcionamento dos tribunais não resistem à evolução da sociedade. O que antes era lento tornou-se lentíssimo, mesmo que o sistema tenha evoluído em celeridade. Aos olhos dos cidadãos do século XXI, a Justiça está parada no tempo, enquanto a sociedade se move cada vez mais depressa, e refém de interesses corporativos.

O problema, contudo, não é do século XXI, já vem de trás. Não há como ouvir um ex-ministro da Justiça para perceber bem a realidade (vá-se lá saber porquê os ex-ministros são sempre muito mais esclarecedores do que enquanto foram ministros?). Recorro por isso aos números apresentados por José Pedro Aguiar Branco numa conferência realizada no Outono passado: número excessivo de comarcas - 320 (a França, a título de exemplo, tem cerca de 600) - e dois terços da litigiosidade concentrados em quatro comarcas - Sintra, Lisboa, Porto e Gaia - que absorvem apenas um terço dos recursos. Mas disse mais: «Em Portugal continuamos a ter tribunais à distância de cinco minutos com estruturas montadas e problemas de falta pessoal nuns lados e excesso no outro» sem que seja possível mudar as pessoas em conformidade. «Aliás, nem se pode mudar da zona oriental para a zona ocidental de Lisboa»....

Aos problemas de funcionamento juntou-se nos últimos anos um mal maior: uma profunda crise de credibilidade. Habituados a assistirem ao desenvolvimento mediático de grandes processos invariavelmente concluídos sem condenações, sobretudo no domínio dos crimes de colarinho branco, os portugueses começaram a perceber que de facto a culpa morre mesmo solteira. E muitos começaram a duvidar legitimamente da possibilidade de fazer justiça em Portugal.

Está assim seriamente abalado um dos fundamentos do Estado democrático.

O último episódio da divulgação pública das listas de chamadas recebidas e efectuadas pelos telefones de algumas das mais altas figuras do Estado, com o Presidente da República à cabeça, é ilustrativo do estado de descrédito a que se chegou. Independentemente das mais diversas teorias conspirativas postas a circular, todas à volta do interesse da Defesa em desacreditar o processo da Casa Pia, não é possível perceber a utilidade daqueles registos, uma vez que a pessoa que alegadamente motivou o pedido (Paulo Pedroso) nem sequer foi pronunciada. A imagem que dá é de uma profunda incompetência além de uma inaceitável ligeireza no tratamento de aspectos que lesam os direitos e liberdades dos cidadãos.

Enquanto sobem as apostas sobre se é desta que o procurador Souto Moura vê encurtado o seu mandato, é tempo de dizer que os males da Justiça não se resumem a uma figura nem se resolvem com o seu eventual afastamento.

Pode ser um acto higiénico mas o mal é demasiado profundo e exige o empenho activo dos dois principais partidos. Só o PS é que não quer ver.

Luísa Bessa in Jornal de Negócios - 16/01/2006

É exactamente isto que Magistrados e Juízes podiam/deviam invocar na (séria) discussão sobre a dignificação das suas classes! A mantermos este estado de sítio num dos pilares essenciais de qualquer aparelho democrático, corremos alegremente (sem qualquer colagem ao poeta) o risco de gerar curto-circuito no ship de uma das mais altas das magistraturas portuguesas...

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