03 dezembro 2004

As quatro questões prioritárias...

A baixa produtividade da Administração Pública, conjugada com a baixa rentabilidade média dos investimentos públicos, drena recursos fundamentais ao desenvolvimento para áreas não produtivas da nossa economia.
Michael Kami, num dos seus livros, faz a seguinte recomendação: «Abandone a 13ª prioridade».
A racionalidade desta afirmação é simples: a 13ª prioridade já não é uma prioridade.
Os problemas estruturais e conjunturais da economia e da sociedade portuguesa são inúmeros. Mas têm dimensão, importância e urgência diferentes. Só o estabelecimento de prioridades permitirá a adopção dum processo metódico e sistemático para a sua resolução.
Com base nesta aproximação, tentarei partilhar, no presente artigo, as minhas convicções sobre as questões prioritárias que condicionam o crescimento da economia e o consequente desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Considero que existem quatro questões fundamentais ou mais rigorosamente, uma mais três questões cuja não resolução constituem estrangulamentos claros ao nosso desenvolvimento.
A primeira e mais importante refere-se à baixa produtividade da Administração Pública, que conjugada com a baixa rentabilidade média dos investimentos públicos drena recursos fundamentais ao desenvolvimento para áreas não produtivas da nossa economia.
O efeito negativo desta variável ultrapassa as consequências da baixa eficiência da utilização de recursos do país:
– Constitui um mau exemplo para toda a sociedade (se a Administração Pública é ineficiente e má pagadora que moralidade tem para me exigir um comportamento diferente), transmite sentimentos de injustiça e de impunidade (como é que é possível que a certidão tenha vindo enganada pela 3ª vez e não aconteceu nada aos responsáveis por este erro repetido), cria relações desequilibradas com os cidadãos e as organizações da sociedade civil (com uma Administração Pública autoritária, arrogante e «não amiga» dos cidadãos e das Empresas).
A baixa rentabilidade dos investimentos públicos tem também uma elevada correlação com esta postura de ineficiência e indisciplina organizacional. Não existe uma metodologia clara de avaliação dos investimentos públicos numa óptica de custo / benefício tendo em atenção a sua contribuição, ou não, para o desenvolvimento sustentável do país.
As restantes três questões que condicionam profundamente o desenvolvimento da economia da sociedade portuguesa referem-se a sistemas fechados, com características corporativas e auto-regulados.
Estes sistemas em áreas fundamentais da sociedade, sem uma regulação independente do próprio sistema, sem um movimento de abertura dos sistemas que permita a sua comparação internacional tornam-se rapidamente ineficientes e condicionadores da restante actividade económica e social.
Nos casos em que estes sistemas para além das características anteriormente descritas, são maioritariamente públicos, os fenómenos de ineficiência e de resistência à mudança acentuam-se dum modo exponencial.
Os três sistemas que se encontram nesta situação de auto-regulação são o sistema da justiça (em que magistrados regulam magistrados), da educação, em especial do ensino superior (em que professores regulam professores) e da comunicação social (em que jornalistas regulam jornalistas).
Em sistemas fechados e auto-regulados os mecanismos de segregação do mérito são potenciados, ou seja, os maus magistrados afastam os bons, os maus professores afastam os bons, os maus jornalistas afastam os bons. E os que resistem, têm cada vez maior dificuldade em se oporem à mancha larga de mediocridade que, dia após dia, vai inundando o nosso país, num processo permanente e continuado de empobrecimento.
O país precisa de mais cientistas, mais técnicos superiores qualificados na área da física e da matemática, mais inovação. Mas isso não é possível com Universidades que não têm uma preocupação clara pela qualidade, exigência e rigor, medida por entidades externas e ordenadas no ranking internacional.
O país precisa de mais investimento estrangeiro em áreas de tecnologia avançada, produzindo bens transaccionáveis para mercados mais exigentes. Mas não é possível captar investidores estrangeiros, que todos os países tentam seduzir, com um sistema de justiça que não funciona em tempo útil, uma administração pública que não é amiga das empresas e dos cidadãos, um sistema de ensino que não produz quadros técnicos qualificados em quantidade e qualidade suficiente.
O país precisa de melhores políticos, sobretudo nas áreas técnica, económica e social. Mas não é possível atrair para a actividade política quadros de sucesso na sua actividade privada, com formação académica internacional, elevada qualidade ética e intelectual, com remunerações que são uma indignidade e, correndo o risco de devassa e julgamentos públicos sem defesa por uma comunicação social sem regulação exterior e independente, em que o binómio liberdade / responsabilidade não está garantido (os julgamentos por crimes de liberdade de imprensa demoram em média, em Portugal, 5 - 6 anos).
Infelizmente, nos últimos anos pouco ou nada se tem feito na abertura e regulação externa dos sistemas auto-regulados, com uma única excepção, embora ainda ténue: O Sistema de Saúde.
O esforço que tem vindo a ser feito neste sistema, de tradição de auto-regulação (os médicos regulam os médicos, os enfermeiros regulam os enfermeiros) no sentido de abertura do sistema e da criação duma entidade reguladora externa (à semelhança da entidade reguladora da energia e das telecomunicações, por ex.) é meritório. E, lenta mas persistentemente as melhorias de eficiência e de satisfação dos vários agentes que integram este sistema serão visíveis a curto e a médio prazo.
Johnson & Scholes desenvolveram um modelo, «the cultural web» para a avaliação deste tipo de sistemas e a construção duma plataforma de mudança. Espero sinceramente que os responsáveis políticos pelos sectores auto-regulados descritos adoptem as ferramentas teóricas adequadas para estes processos de mudança com uma aproximação semelhante à que tem sido seguida no sector da saúde, eliminando por esta via os constrangimentos que existem ao desenvolvimento da economia e da sociedade portuguesas.

Luís Todo Bom in Jornal de Negócios - 03/12/2004

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