29 julho 2005

Geração falhada...

A geração que, em 1974, tinha entre 25 a 30 anos, presumivelmente destinada a assumir o poder, estatelou-se ao comprido. É uma geração nula. Demos-lhe a liberdade num belo prato de júbilos e esperanças.
Atolou-se na competitividade infrene, o contrário da emulação; naufragou na frivolidade do carro de forte cilindrada, na casa própria, no fato de marca, na standardização dos maus hábitos e dos piores costumes. Lê pouco, lê mal ou, pura e simplesmente, não lê. Foi tomada pelos donos do tempo.
Não todos, claro; mas quase todos. No memorial de César Oliveira, «Os Anos Decisivos», lê-se quem eram, vê-se quem são. A extensão das abjurações é assustadora. Não só a viragem da casaca, o que, já de si, é sórdido. Mas a indiferença, a inépcia camuflada, a astúcia transformada em norma, a falta de probidade e de escrúpulo, a ânsia de poder e de fortuna – são, também, enunciações da abjuração.
É a geração do beautiful people, retratada nas revistas cor-de-rosa: uma gente hórrida, feiíssima, a viver muito acima dos seus meios, tocada de idiotia, marcada pela ociosidade. Mente, faz trapaça, finge com a arrogância o que lhe falta de sabedoria, promete e não cumpre, expõe uma falsa cultura e um falacioso conhecimento, perdeu a paixão trocando-a pela salvação da «vidinha». Não todos, insisto; mas quase.
Os primeiros-ministros dessa geração constituíram-se como um sinédrio de incompetentes. E ajeite na lista o nome do fúnebre dr. Cavaco, já reconhecido como fautor inicial do descalabro. E o dr. Soares?, perguntará a malvada curiosidade do pio leitor. Também não foi um grande primeiro-ministro; porém, terá a seu favor a circunstância de ter mantido a falua a navegar num mar de escolhos e de imprevisibilidades.
Ao contrário do que possa parecer, não curto o desespero incontido, nem cultivo o defumar do passado. Numa linguagem, talvez plebeia e chã, todavia sincera, direi que Portugal tem sido governado por fieiras de incapazes – e, pessoalmente, só desejava que eles respondessem, em tribunal, pelas consequências dos seus actos.
Esta geração não conseguiu produzir um Presidente da República. E o estado actual das coisas leva a que um velho político, acaso impelido por imperativos de consciência moral, se candidate a um lugar difícil, num período extremamente complicado da sociedade portuguesa. Estamos todos cansados e fartos do António Vitorino e da sua representação de génio da garrafa; do Sócrates, do Guterres, do Durão, do Santana, do Marcelo, do Marques Mendes, gente de raso estofo e rasteiro estilo. Coloco à margem deste texto o nome de outros tantos, por ainda mais desprezíveis.
O recurso do PS a Mário Soares é a notícia de uma geração que capitulou. E o resto do panorama – literário, jornalístico, cinematográfico, artístico – é, por igual confrangedor. Salvam-se os nossos cientistas, ignorados pelos «media», que vão somando êxitos atrás de êxitos, perante o silêncio e a indiferença das «autoridades responsáveis». De vez em quando, Sampaio pespega-lhes uma medalha no 10 de Junho, e eles regressam a minúsculos laboratórios, falhos de recursos quanto cheios de talento e de virtude, ou vão para o estrangeiro, realizar um trabalho que os governos lhes negam.
A luta pela Presidência da República é uma imagem desfocada, por viciada à nascença. Nenhum dos eventuais contendores tem nada a oferecer de novo, que não o já saibamos. Talvez haja um pouco de barulho. E serão inevitáveis as artigalhadas do José Manuel Fernandes, do António Barreto, do Vicente Jorge Silva, de um daqueles directores do «Diário de Notícias» cujos nomes não decorei – sem rasgo, sem risco, sem incentivo às nossas melancólicas meninges.

Baptista Bastos in Jornal de Negócios - 29/07/2005

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