06 janeiro 2006

À esquerda da vírgula...

Chegou o tempo de encarar a crise da nossa economia com outros olhos. Para não ficarmos sempre à espera das próximas previsões, da seguinte e mais que certa revisão em baixa. Estamos todos, uns mais que outros certamente, muito cansados com esta falta de perspectivas. Estamos todos muito saturados de ouvir as mesmas conversas de sempre.

A lengalenga das reformas, do défice de lideranças, bla, bla, bla, bla.

Toda a gente já se habituou a esta via sacra de Constâncio: era de 1,2%, passou para 0,8% e ninguém se admira que venha a acabar em 0,5% ou 0,3%. Enfim, talvez a sorte ou o infortúnio ditem os desvios de décimas. Mas o essencial, aquele número que está à esquerda da vírgula, esse é que depende de nós.

Procuram-se desculpas na suposta crise europeia. Mas não há uma crise europeia. A Alemanha está com um problema económico grave, a França e a Itália também. Mas há países pujantes, e não é só a Espanha, o que só dá apenas um e único significado à nossa crise: não é uma fatalidade.

Dito de outra forma, Portugal está a atravessar a fase mais longa de mediocridade económica, porque a sociedade fracassou.

É isso que o governador quer dizer cada vez que surge em público com um PIB mais encolhido, mas poucos entenderam isso. Menos são ainda os que estão verdadeiramente dispostos a mudar.

Não é um golpe de Estado, basta uma «revolução» de mentalidades. Este país evoluiu muito nos últimos trinta anos, mas insiste em não aceitar a cultura de mercado.

Veja-se este caso da EDP, em que toda a gente acha absolutamente normal que um Presidente da República interfira no governo de uma empresa com 75% do capital privado. Mesmo gente bem intencionada indigna-se pelo facto de um ministro ter confiado aos accionistas privados a escolha do futuro presidente!...

Aliás, os portugueses ainda detestam a propriedade privada. O sentimento dominante é de aversão a quem investe e arrisca. Os empresários, eles próprios, ficaram viciados no negócio sem risco. Não todos, mas os protegidos.

As transformações até se estão a dar, há casos formidáveis de sucesso empresarial, só que esses não são os eleitos, não são os promovidos.

Os mesmos que se angustiam com as conferências de imprensa semestrais do doutor Constâncio, são aqueles que não querem ouvir falar de mobilidade, de concorrência. É uma esquizofrenia colectiva, em que se inveja o dinamismo americano mas que, ao mesmo tempo, se diabolizam os factores que estão na origem desse sucesso.

Não é preciso ser «americano», nem fazer um golpe de Estado. Basta ser português, aprender com a História e verificar em que momentos a crise foi superada e o país conheceu a prosperidade. Nos momentos de ruptura.

Dois candidatos presidenciais, por direito próprio, deveriam ser portadores da mensagem. Também não são. Mário Soares que ousou pela integração europeia hoje teme a abertura ao exterior. Cavaco Silva privatizou a economia e agora aplaude Sampaio na defesa dos «campeões nacionais».

Sérgio Figueiredo in Jornal de Negócios - 05/01/2006

Parece que estamos muito sintonizados... É exactamente esta postura, cultura e intelecto pragmático que Portugal tem que adoptar e carece. A bem da nação (de todos!).

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