03 dezembro 2005

Juros simplesmente sobem...

Há dois tipos de governos na zona euro: os que fazem reformas económicas e os que se queixam dos juros. Vamos ter esta semana a oportunidade de verificar a qual dos lados o nosso Governo quer pertencer, depois de o Banco Central Europeu ter anunciado a subida da taxa directora.

Evidentemente que a economia portuguesa, a patinar da estagnação para uma nova e iminente recessão, dispensava perfeitamente este «endurecimento» da política monetária.

Mas, para limpar o debate de qualquer tentação demagógica, era importante que alguém da equipa económica de Sócrates saltasse desde logo cá para fora deixando bem clara duas verdades factuais.

A primeira é que os juros são os últimos responsáveis pela crise de crescimento de Portugal. Desde que existe união monetária na Europa, ou seja nos últimos seis anos, Portugal e a Irlanda são os únicos países que apresentam taxas de juros reais negativas de forma persistente.

Dito de outra forma, se alguma coisa a política monetária tem influenciado as condições de crescimento da economia portuguesa é no sentido oposto, expansionista, atendendo aos níveis de inflação interna – esses sim, sempre acima da média europeia.

A segunda verdade pedagógica que o Governo português deveria promover junto da população é que também não será esta subida de juros (um quarto de ponto, para 2,25%) o motivo para o frustrante desempenho que a nossa economia continuará a ter no futuro próximo.

Bem sabemos, repito, que é mais fácil a um primeiro-ministro entregar à sua opinião pública a cabeça de um banqueiro central instalado em Frankfurt, do que assumir os verdadeiros motivos do declínio económico interno.

Até porque, em condições monetárias iguais, os doze países têm exibido dinâmicas económicas absolutamente distintas.

A Espanha, a Irlanda e a Finlândia são exemplos de países que ultrapassaram as dificuldades com reformas duras e impopulares, mobilizaram a classe política para um pacto nacional e estão agora a colher os frutos disso.

Portugal está entre aqueles que cresceram sem reformar, viveu da enxurrada financeira provocada pela queda abrupta do juros e, quando o efeito se foi esgotando, os Governos inventaram receitas extraordinárias (para disfarçar o mal do Estado) e os tais inimigos ocultos (para encobrir a perda de competitividade empresarial).

Foi o que fez Guterres no fim da década passada, foi o que continuou a fazer Barroso nos três anos seguintes e, eis-nos agora, diante Sócrates e a obrigação de fugir ao «bode expiatório» – o que seria fácil, porém contraproducente.

A subida de juros é um obstáculo adicional para a tão estafada retoma anunciada. Mas não é uma catástrofe. Este aumento ‘agrava’ apenas em 4,5% os encargos bancários das famílias. E estes pesam um quinto do rendimento disponível médio.

Vivemos com expectativas baixas, as pessoas estão com medo do futuro e o alarmismo não é bom conselheiro para animar o clima de negócios. Há que evitar, portanto, a reedição do discurso da «tanga», com o aumento de impostos agora em versão adaptada aos juros.

* Versão adaptada do editorial publicado no Jornal de Negócios de 29/11

Sérgio Figueiredo in Jornal de Negócios - 02/12/2005

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