22 dezembro 2005

Artigo de Paulo Rangel

[...] Cavaco: desígnio, programa e desempenho
Toda a pré-campanha presidencial tem sido dominada pelo mote de que Cavaco Silva, ungido pelas sondagens de opinião e temendo uma sangria de vo­­tos, se abriga no silêncio sideral. Eis uma crítica recorrente mas abstracta e va­ga, só possível e viável no dito mundo das "ideias feitas". Na verdade, ne­nhum dos outros candidatos tem uma hierarquia de desígnios, uma pauta pro­gra­mática e uma base ideológica tão claramente enunciada como a de Cavaco Silva. […]
Cavaco não se refugia em generalidades bem intencionadas, em que tu­do é indistintamente relevante; faz esco­lhas, hierar­qui­za prioridades, assume "custos de oportunidade". Assim como Eanes seleccionou a integração dos mi­li­tares e a transição para a democracia plena; assim como Soares privilegiou a "ci­vili­zação" do regime e a integração na Europa; Cavaco escolheu o desen­vol­vi­mento económico e a qualificação da vida democrática. A ser eleito, toda a sua magistratura será marcada por esses dois desígnios, que justa­mente cor­res­pondem aos dois principais problemas com que Portugal está hoje con­fron­ta­do: o atraso económico e a degradação política. Inscreve, pois, na agenda do pro­­jecto nacional - conferindo-lhes a dignidade e prioridade inerentes - o re­for­ço da competitividade, o estímulo da inovação, a disci­pli­na financeira, a qua­li­fi­ca­ção da formação, o incremento das exportações e do investimento, a protec­ção social dos mais desfavorecidos. Inscreve também, no programa de mobili­za­ção na­cio­nal, a cooperação estratégica com os res­tantes órgãos de sobera­nia, com a maioria e a oposição, com os parceiros sociais; o combate à corrup­ção; a credibilização e operacionalidade da justiça. […] Ao erigir este programa como móbil da sua candidatura, Cavaco não se es­conde por detrás de qual­quer reposteiro de silêncio, fumo ou névoa. Pelo contrário, responsabiliza-se por uma atitude cons­­trutiva e cooperante, publica os padrões que pautarão o seu de­sempenho, enun­cia os critérios com que fará a avaliação do funcionamento do nosso sis­te­ma político e institucional.

Cavaco: o valor "acrescentado" da palavra
A tentativa de fazer colar a Cavaco Silva o estigma do silêncio - bem vi­sí­­­­vel no impropério da "esfinge" - não se limita à esfera programática ou subs­tan­­­tiva, visa também, e até mais salientemente, o estilo. "Cavaco fala com par­ci­­­mó­nia, debate pouco, comenta de menos", alega-se. Olvida-se, porém, que uma das causas do desprestígio da política e dos políticos reside precisamente na "banalização" da palavra e do discurso. Cavaco - como bem demonstram as intervenções selectivas dos largos anos em que esteve fora da vida política - valoriza devidamente a eficácia do discurso. Mais: quer pre­ser­var, para o exercício da função presidencial, a plena e total eficácia da sua palavra. O emprego criterioso e escrupuloso da palavra acres­cen­ta-lhe ainda valor: o valor da vinculação. Os que falam muito, dizem tudo e o seu contrário, não estão, na verdade, vinculados a nada. Não subsistam dúvidas, caso Cavaco venha a ser elei­­to - e ao invés do que eventualmente se passaria com qualquer um dos seus adversários -, não haverá perdão: toda a palavra da pré-campanha e da cam­panha lhe será cobrada por inteiro.
Nem todos percebem, mas o tão pro­palado silêncio de Cavaco é a me­lhor garantia do valor da palavra. Da palavra de um Presidente da República.

Paulo Rangel, Público, 21-12-2005

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