24 novembro 2005

Há elites no Porto, mas não têm poder...

Cadilhe e Barreto concordam que há elites a norte mas discordam da solução para dar protagonismo à região
Há elites no Porto, mas não têm poder. Em boa parte por culpa própria, segundo António Barreto, sobretudo por falta de poderes regionais instituídos, na óptica de Miguel Cadilhe. Pode ser esta a síntese das intervenções dos dois conferencistas participantes no painel "Onde estão as elites do Grande Porto?", moderado por Artur Santos Silva, que inaugurou o terceiro ciclo de conferências Olhares Cruzados sobre o Porto, organizado pelo PÚBLICO e pela Universidade Católica. Tanto Artur Santos Silva, na apresentação do painel, como António Barreto e Miguel Cadilhe, logo a seguir, defenderam que o problema do Porto, e do Norte, não está na falta de elites. Há muitas e boas, nas empresas, nas artes, nas universidades, no desporto, com alguns afloramentos muito fortes, como é o caso do Museu de Serralves, que, por mérito próprio, se impôs como referência nacional e internacional, constituindo um "excepcional exemplo de vitalidade" capaz de atrair mais gente do que "todos os museus juntos de Lisboa, com excepção do dos Coches", na formulação bem disposta de Barreto.
Porquê, então, esta obsessiva dúvida sobre se há ou não elites no Norte? Para Barreto, "esta obsessão tem razão de ser. Falta um papel a estas elites, falta poder político e representação regional, mas a regionalização não era, nem é, a solução". Foi no modo de afirmar o poder regional que se cavou a diferença entre o sociólogo e o antigo ministro das Finanças. Enquanto Barreto defendeu que a afirmação do Porto e do Norte não deve fazer-se por "outorga" da regionalização pelo poder central, mas antes pela afirmação prática da excelência das suas elites, Cadilhe relembrou e criticou os expedientes de Lisboa para "empatar" a instituição das regiões, lembrando, a propósito, uma afirmação de Cavaco retirada da sua autobiografia política - "Fiz por empatar o processo", confessou o actual candidato à Presidência da República - que deixou Cadilhe fora de si: "Isto não se faz!", comentou. De resto, a "obsessão" regional de Cadilhe levou-o a "subverter" um pouco o tema do painel, como Barreto sublinhou delicadamente."Ninguém foi capaz de dar voz" ao Porto e ao Norte, acusou Barreto. "As universidades não o fazem, as câmaras não se entendem" e preferem "cooperar com o poder central", sustentou o sociólogo, que referiu também o facto de a capital "não cessar de se sentir superior e de troçar da cidade segunda". Seja como for, para Barreto, é o Porto que deve fazer por se impor, a exemplo de congéneres como Barcelona, Edimburgo, São Paulo, Frankfurt e uma multidão de "segundas cidades" norte-americanas."Agustina Bessa-Luís e Siza Vieira são elite, mas não são líderes", sustentou Cadilhe, que defendeu a ideia de que, para haver mais e melhores elites, é necessária "massa crítica". Ora, "quanto maior for a centralização do país, mais enfraquecidas são a massa crítica e os factores exógenos" que favorecem o aparecimento dos melhores, insistiu o economista nortenho, para quem o Norte "não tem grandes líderes políticos". Santos Silva, na qualidade de moderador, confessou-se mais próximo das ideias de Barreto a propósito da descentralização, municiando o argumentário do sociólogo ao referir o seu papel na construção, a partir do Porto, daquele que é hoje um dos maiores bancos nacionais, o BPI.
Do debate ressaltou a necessidade de uma estratégia para a região, falou-se numa televisão regional e referiu-se até o "exemplo" de Las Vegas, erguida do nada, no meio do deserto. "Pois, mas quem a criou foi um gangster", lembrou Cadilhe, visivelmente bem disposto e muito sintonizado com o espírito "regionalista" da plateia.
A próxima conferência realiza-se a 12 de Dezembro sobre o tema "O que resta do espírito empreendedor do Porto?".

Carlos Romero in Público - Quinta, 24 de Novembro de 2005

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