27 maio 2005

Chegou mesmo a hora de agir...

Este programa de reforma da despesa pública não é um acto inconsequente de meia dúzia de loucos que, de repente, decidiram cortar a eito e pôr o país em polvorosa. É o arranque de uma reforma tão fundamental quanto as mais fundamentais das decisões que foram tomadas em três décadas de democracia.
Este ataque corajoso ao «fartar vilanagem» em que se transformou a utilização de dinheiros públicos é algo tão importante para o nosso futuro quanto foram a adesão a adesão à CEE (para estabilizar o regime político) ou as privatizações (para estabelecer uma economia de mercado).
Estes três parágrafos não são deste texto. Nem foram escritos a propósito do Plano Sócrates. Foram escritos a 22 de Junho de 2001 e publicados um dia depois de o Conselho de Ministros aprovar 50 medidas para a reforma das finanças públicas.
Só recordo o que então escrevi por dois motivos. O primeiro é para constatar a impressionante repetição do que andamos a dizer, há pelo menos quatro anos. O segundo é para daqui tirar a devida ilação: não basta aprovar programas, elaborar discursos cheios de boas intenções.
No nosso caso, infelizmente, até publicá-las em lei não significa nada. Como os brasileiros, também já assimilámos a ideia de que há umas leis que «pegam» e outras não.
Existe, assim, um importante ponto prévio neste Plano Sócrates: só merece aplauso no dia em que «pegar».
Não é o caso do aumento de impostos, porque esse obviamente «pega». O programa de estabilidade de Campos e Cunha vai aliás frustrar aqueles que, de forma precipitada, aceitaram o aumento do IVA apenas por ser uma «medida provisória».
O agravamento de impostos deve ser apoiado, sim. Por ser necessário. E ele não é necessário como «receita extraordinária» para safar as contas deste ano e de 2006. Será necessário na exacta medida em que a sua causa principal durar: ou seja, a própria crise orçamental. Portanto, é melhor avisar desde logo as pessoas que o IVA a 21% veio para ficar por uns bons anos.
Porque, em matéria de combate à despesa, o Plano Sócrates é só isso: um bom plano. Como era estimulante o plano de Pina Moura há quatro anos. Como eram importantes as ideias que Manuela Ferreira Leite anunciou e não conseguiu concretizar na administração pública.
Como era ambicioso o plano de Bagão Félix contra a evasão fiscal e que acabou mutilado pelas mãos dos deputados da própria maioria.
Ninguém está, portanto, de pé atrás em relação ao eng. Sócrates por ser céptico. É pura precaução. Para não se começar a aplaudir da plateia e acabar na frente de um espelho com figura de parvo.
Desde quarta-feira que, pelo contrário, este primeiro-ministro dá finalmente boas razões para ser apoiado.
As medidas que Sócrates propõe no combate ao défice são, realmente, «diversificadas e abrangentes» – como, aliás, Vítor Constâncio «adivinhava» há mais de uma semana.
Que são diversificadas, não há dúvida. Basta ver a extensão da lista. E são abrangentes também, pois é inquestionável que ninguém ficará à margem dos sacrifícios. É neste ponto que reside o maior mérito do Plano Sócrates. Também o seu vírus da morte.
Está visto e revisto que Portugal foi o único país a fazer o caminho para a moeda única sem se submeter a sacrifícios.
Mudou, em 1999, o regime em que a nossa economia sempre havia funcionado e os portugueses não foram preparados para as consequências dessa mudança. Nem antes, nem durante, nem depois. E não o foram de uma forma deliberada e demagógica. Em suma, irresponsável.
A classe política vive, por causa disso, mal com a sua consciência. Sente-se, por isso, obrigada à autoflagelação.
As pensões vitalícias de deputados, ex-primeiro-ministros e outros titulares de cargos públicos podem ser extintas por todas as razões menos uma – a que foi usada.
Tal como é perverso evocar as dificuldades orçamentais como motivo para «moralizar» os esquemas de pagamentos às administrações das empresas públicas.
Ao atacar com bravura o mar de problemas, este Governo sabe com que inimigos pode contar, mas não imagina se aparecem aliados. Tem maioria absoluta, o que é raro. Mas não chega.
Deste ponto de vista, Sócrates desperdiçou uma oportunidade, no debate parlamentar de quarta-feira, de «arrastar» para as reformas o dr. Marques Mendes – e este colocou-se a jeito para isso.
O maior risco que vivemos é aparecerem uns idiotas perigosos, cheios de fórmulas sedutoras que acabem por fazer o povo cair de amores pelas políticas de facilidade. As mesmas políticas que nos desacreditaram e que nos tiraram da rota do desenvolvimento.
Há algo pior que a angústia generalizada. É a descrença colectiva, a perda de confiança no Estado de direito, nas suas instituições e no mercado. Afinal, a única via construída pelo Homem para atingir o progresso.
Das quatro horas de debate mensal, o que fica de mais importante não é o IVA. Foi ouvir Sócrates responder a «alguém que dizia que devia ser muito mau estar no Governo numa altura destas».
«Não, meus senhores, pelo contrário, é muito bom e um privilégio estar no Governo numa altura destas». Tem, portanto, 4 anos para mostrar que está à altura dessa fortuna.

Sérgio Figueiredo in Jornal de Negócios - 27/05/2005

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